quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A CONTRIBUIÇÃO DE SADE AO FEMINISMO

É fascinante notar que as escritoras contemporâneas, entre elas várias feministas fervorosas, têm reações bem contrárias diante das idéias de Sade. Algumas repudiam com veemência a visão que o escritor tinha das mulheres, tachando-o de monstro e pornógrafo libidinoso; outras, talvez surpreendentemente, elogiam sua obra, que segundo elas aborda a liberdade sexual de ambos os sexos. De acordo com estas últimas, Sade se recusa a classificar as mulheres apenas de máquinas reprodutoras e lhes dá a liberdade de se tornarem seres sexuais. Para Camille Paglia, acadêmica e feminista americana, Sade é um grande intelectual, e seu livro Justine, uma obra-prima. Por outro lado, Janine Chasseguet-Smirgel, uma das mais destacadas psicanalistas francesas que estudam as perversões, afirma que na obra de Sade as mulheres são retratadas como objeto de total desprezo. Para ela, o sexo feminino, além de tido como objeto de repulsa, é comparado pejorativamente com ânus, o qual, chamado de o “outro templo”, é bastante idealizado pelo autor por ter a função de expelir “produtos finais” (ou seja, as fezes).

Man Ray, um dos maiores representantes do surrealismo, mostra em fotografia de 1933 sua aversão ao catolicismo e seu desprezo pela idéia de que o sexo é exclusivo da procriação, invertendo um crucifixo e sobrepondo-o à divisão das nádegas de um homem. Homenagem às idéias de Sade, Ray intitulou a foto “Monumento a D.A.F. Sade” e manifestou com ela que Sade desaprovava o uso do sexo para reprodução e sua preferência pela prática sodomia. Deve-se lembrar que na época de Sade a sodomia era crime da França.

Janine Chasseguet-Smirgel usou a “situação sadiana” para definir a perversão como um universo em que reina enorme confusão e cuja a característica principal é a intenção de suprimir a diferença entre os sexos. Todos são iguais; não há homens nem mulheres. Incesto não é mais tabu, e a analidade chega ao auge como o mais intenso dos encontros libidinais. Acaba-se com a feminilidade das mulheres; não há espaço para a genitália feminina. Com jeito, a psicanalista nos leva a Os 120 Dias de Sodoma – escrito em 1785 com ênfase em construções e lugares claustrofóbicos e circulares, passagens estreitas como esfíncteres – para concluir que o “prazer ligado à transgressão é sustentado pela fantasia de ter reduzido o objeto a excremento, rompendo as barreiras que separam mãe e filho, filha e pai, irmão e irmã, as zonas erógenas umas das outras” e assim por diante, numa tentativa de criar um mundo novo pela extinção das leias naturais. A realidade não existe mais; criou-se um mundo ilusório, com prioridade para a importância da incerteza e dos códigos de lei ou normas.

Angela Carter, famosa escritora britânica, feminista autêntica e pensadora original, desafia todas as outras feministas a ver as obras de Sade sob nova luz. Em seu livro The Sadeian Woman (1979), ela lança a hipótese de que o escritor francês tratava a sexualidade como realidade política e por isso foi confinado. Em suas obras, escreve Angela, Sade revela a sociedade e as relações sociais extremadas existentes no Antigo Regime francês. Os libertinos daquele tempo eram grandes aristocratas, alguns eram proprietários rurais e outros estavam ligados à igreja ou às atividades bancárias. Trocando em miúdos, seus libertinos dominavam e mantinham uma sociedade bem diferente da deles, na qual suas instituições haviam sido deturpadas e transformadas na personificação de perversões. Segundo a escritora britânica, Sade considera os fatos da sexualidade feminina não um dilema moral, mas uma realidade política; suas heroínas, as libertinas, não têm vida interior nem introspecção, e seus únicos modelos de comportamento são libertinos que aceitam a danação – entendendo-se por isso o exílio do mundo como necessidade de vida. Em tom bastante provocativo, Angela Carter afirma: [...] Sade declara-se inequivocamente favorável ao direito da mulher de fornicar [...]. Ele estimula as mulheres a fornicar tanto quanto puderem, de modo que, fortalecidas por sua enorme energia sexual, até então represada, elas sejam capazes de penetrar na história e, assim, mudá-la.

Do livreto Sadomasoquismo, de Estela Welldon.

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