sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A obra literária de Sade: Como esta surge?

 ( A Bastilha - Sade tambem passou grande parte do seu tempo trancafiado por aqui)

“A obra literária de Sade nasce na prisão, nasce da prisão. Uma
obra vigorosa, polêmica, certamente discutível em muitos pontos,
romances e novelas cheios de repetições e páginas cansativas,
pensamento filosófico parcialmente inaceitável, explosão estética
de um individualismo irremediável, personagens estereotipados a
partir da necessidade de expor teses existenciais fascinantes mas
fantasiosas e muitas vezes quase para-fascistas, mas ao mesmo
tempo obra revolucionária por sua coragem em denunciar os
valores falsos de uma civilização podre, por reivindicar com
eloqüência e paixão a liberação do homem de uma milenar cadeia
de preconceitos que reprimem sua íntegra e verdadeira realização
como individuo.” (PEIXOTO, 1978, 75)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Breves considerações sobre a literatura erótica





Por Carlos Higgie (do livro Caleidoscópio)
 Produzir textos eróticos, escrever sobre algo tão intenso e tão humano, parece que condena àqueles autores, que a tal tarefa se lançam, a uma espécie de segundo plano, a mergulhar num mundo obscuro, a serem tachados de produtores de subliteratura ou simplesmente pornografia. Muitos críticos acreditam que produções com alto conteúdo erótico não acrescentam nada à Literatura e até distorcem um pouco a percepção. Para eles, são livros sem grande conteúdo literário que, apoiados na sua carga erótica, caem no gosto do público e chamam à atenção das forças conservadoras, alimentando, ainda mais, sua fama ao serem censurados e proibidos.
Vários autores concordam que existe uma linha indelével, quase imperceptível ou talvez inexistente, entre o erótico e o pornográfico. Quem é capaz de determinar os limites? De afirmar, com autoridade e livre de preconceitos, o que é pornografia e o que é erotismo? Tudo está na mente de quem lê e interpreta.
Afirma categoricamente Octavio Paz, na sua obra Um Mais Além Erótico: Sade (1999)
Todos os atos eróticos são desvarios, desarrumações; nenhuma lei, material ou moral, os determina. São acidentes, produtos fortuitos de combinações naturais. Sua diversidade mesma delata que carecem de significação moral. Não podemos condenar uns e aprovar outros enquanto não saibamos qual é sua origem e a que finalidade servem. A moral, as morais, nada nos dizem sobre a origem real de nossas paixões (o que nos impede de  legislar sobre elas, atrevimento que deveria ser suficiente para desacreditá-las).
Na corda bamba, equilibrando-se para não cair no ridículo, no ostracismo ou no abismo da condenação pública, o autor que se atreve a produzir relatos, carregados de erotismo, mergulhando nesse mundo incrível, borbulhante, que é a sensualidade humana, deve entender que nem sempre será reconhecido, apesar de ser lido com fruição na intimidade.

Sade e suas obras: eróticas ou pornográficas?


 Por Clarilene Medeiros

No contexto sócio-cultural do século XVIII, a leitura surgiu como um instrumento para a formação de uma identidade extremamente individual, sem fazer referência ao passado ou ausência de passado de sua família, e também funcionava como forma de agrupar as classes médias urbanas (em torno dos gabinetes e sociedades de leitura). Alguns dos livros dessa época tinham um caráter especial: eram proibidos. No entanto, esses livros não eram considerados literatura pornográfica e proibidos somente porque atentavam contra os bons costumes. O nome dado a eles era bastante particular: livros filosóficos. Segundo Robert Darnton, ao discutir as implicações políticas dessa forma de literatura, havia um alto preço a ser pago por esses autores desajustados diante do esprit de finesse predominante nos salões parisienses:

A vida dos subliteratos era dura e cobrava um tributo psicológico; as “fezes da literatura” não enfrentavam apenas o fracasso, mas também a degradação – e tinham de fazê-lo sozinhas. O fracasso gera solidão, e as condições do underground eram adequadíssimas para isolar seus habitantes. (...) Em suas mansardes de quarto ou quinto andar, antes que Balzac as romantizasse, os philosophes injustiçados compenetravam-se de que eram mesmo o que Voltaire deles dissera: Lê canaille de la littérature [a canalha literária].  Como conviver com tão dura constatação? (DARNTON, 1987, p. 37-8)

 O termo pornográfico não existia nesse momento, o nome dado a esse tratamento cultural do sexo era o de libertinagem. Segundo Raymond Trousson, em Romance e libertinagem no século XVIII na França, libertinagem caracterizava tanto uma escrita, quanto um comportamento engajado com a blasfêmia e mais ainda com “(...) uma escandalosa liberdade de costumes baseada na negação do pecado (...) e com o apelo à comunhão dos bens” (In: NOVAES, 1996, p. 165).  Pornografia é uma invenção do século XIX, profundamente ligada ao desenvolvimento da cultura de massa, dos meios de comunicação e da pequena burguesia. Na época de Sade, seus livros não eram realmente entendidos como “pornográficos”. Escandalosos, sim, mas muito mais por causa de seu conteúdo iconoclasta do que por causa de representações explícitas de sexo. Essas últimas eram, afinal de contas, lugar comum na literatura até então, e não eram particularmente chocantes senão para os leitores mais pudicos.
Para a filósofa e escritora Simone Beauvoir (1961), a filosofia lúbrica e radical em torno da noção de liberdade, de Sade, precedia o existencialismo em mais de um século. Há quem o veja, ainda, como precursor do estudo do foco da sexualidade que permeia toda a psicanálise de Sigmund Freud. Após mais de dois séculos de sua morte, o marquês recebeu dos surrealistas o apelido de “divino”, entrando para o hall de gênios da literatura e da filosofia. Como coloca Eliane Moraes, em Sade: o crime entre amigos, os textos do marquês possuem “(...) relações estreitas com a sensibilidade vivida por seus contemporâneos” (In: NOVAES, op. cit., p. 250).