quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Nota de esclarecimento!



Para quem acredita que Sade fez tudo o que escreveu. O mesmo tece o seguinte comentário:

"Concebi tudo o que se pode conceber nesse gênero [ trata-se do gênero sexual ], mas naturalmente não fiz tudo o que concebi nem com certeza o farei jamais." ( Citado por Simone de Beauvoir)

Inclusive, muitos estudiosos tem-se questionado se de fato Sade não seria sexualmente débil, isto porque em muitos dos seus personagens a questão da dificuldade na erejão e na ejaculação era predominante, daí pensa-se que o Marquês conheceu esses pavores. Mas, isso é apenas uma discussão escolástica, pois pouco se sabe sobre o verdadeiro Marquês.

Um dos melhores vídeos já produzidos! O jogo de palavras com o Marquês de Sade é simplesmente perfeito. O refrão, em francês, segue abaixo: Sade, dis-moi Qu'est-ce que tu vas chercher? le Bien par le Mal la Vertu par le Vice Sade, dis-moi, Pourquoi l'evangile du Mal? Quelle est ta religion, Ou sont tes fideles? Si tu es contre Dieu, tu es contre l'Homme

"Matem-me ou aceitem-me assim, porque eu jamais mudarei."



" Voluntarioso, colérico, arrebatado, extremado em tudo, de um desregramento de imaginação quanto aos costumes como igual nunca houve, ateu até o fanatismo, eis em duas palavras como sou; e repito: matem-me ou aceitem-me assim, porque eu jamais mudarei." ( Sade citado por Simone de Beauvoir, 1955)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Frases do Marquês de Sade


"Só me dirijo às pessoas capazes de me entender, e essas poderão ler-me sem perigo."


"Antes ser um homem da sociedade, sou-o da natureza."


"Quem sabe se não teremos de ultrapassar muito a natureza para perceber o que ela nos quer dizer?"

"...e que nada nem ninguém é mais importante do que nós próprios. E não devemos negar-nos nenhum prazer, nenhuma experiência, nenhuma satisfação, desculpando-nos com a moral, a religião ou os costumes."


"As paixões humanas não passam dos meios que a natureza utiliza para atingir os seus fins."

OBS.: Estas imagens são do filme" Contos proibidos do Marquês de Sade"

domingo, 28 de agosto de 2011

Sade é um autor perigoso?

A esta questão Octavio Paz responde de forma um tanto diversa do autor do conhecimento proibido. Diz ele: " não acredito que haja autores perigosos, melhor dizendo, o perigo de certos livros não está neles próprios, mas nas paixões de seus leitores. Semelhante resposta propõe Murice Heine, o primeiro biógrafo do marquês, ao ser interpelado com a mesma indagação:" Todos os livros, uma vez nas mãos de degenerados, podem ser considerados perigosos. Não é possivel prever que impulso mórbido um degenerado pode receber da mais inocente leitura. Uma narrativa sobre a vida dos santos, ou outra sobre a paixão de Joana D´Arc, pode perfeitamente levar um desses infelizes a se apoderar de sua irmãzinha e assá-la viva..."

O "Divino Marquês" dos Surrealistas

(Imagem de André Breton)

"Sade é surrealista no sadismo" - a frase publicada no primeiro Manifesto do Surrealismo, em 1924, não deixa dúvidas quanto a admiração que André Breton e seus companheiros denotavam ao marquês já nos primórdios do movimento. Ao lado de algumas das afinidades eletivas do grupo - como Chateaubriand, Baudelaire, Rimbaud, Jarry ou Roussel -, o autor de Justine era aclamado pelos signatários como homem de letras ou filósofo, mas sim por aquilo que lhe era mais próprio, ou seja, pela singularidade de um imaginário erótico ao qual seu nome estava definitivamente vinculado. A leitura surrealista de Sade concentra-se, portanto, nos domínios do desejo.


Lições de Sade - Eliane Moraes


Sinopse - Lições de Sade - Ensaios sobre a imaginação libertina - Eliane Robert Moraes

Publicada na clandestinidade, sentenciada ao fogo, proibida ou censurada, a obra do marquês de Sade restou condenada ao silêncio por quase dois séculos. Até hoje - quando o escritor 'maldito' parece ter cedido vez ao 'clássico' -, a indomável ficção sadiana ainda dá margem a especulações que, não raro, desembocam em equívocos. Desvios de tal natureza costumam reduzir o autor à idéia de sadismo, ora incorporada por discursos científicos, ora explorada pelo mercado. Visões comprometidas, sobretudo se prescindem da leitura atenta do mestre de todas as libertinagens. Nada mais oportuno, portanto, do que voltar às raízes do pensamento e da vida do polêmico marquês para compreender a trama perversa do seu imaginário - tão difícil de ser qualificado. Dotados de rara clareza, os ensaios de Eliane Robert Moraes configuram um olhar que privilegia a força imaginativa de Sade. Propositor de um erotismo sem precedentes, o criador da 'Sociedade dos Amigos do Crime' funda um domínio único de expressão literária, marcado pelo excesso, cujos personagens devem ser compreendidos para além de qualquer alusão realista. Procurando contemplar essa visão, as reflexões aqui apresentadas circulam entre a literatura, a filosofia e a história, voltando atenção especial aos detalhes que constituem a impressionante arquitetura erótica proposta pelo escritor francês. Por isso mesmo, justifica-se o destaque dado a temas inesperados como as sociedades secretas da libertinagem, a alimentação dos devassos, ou a paisagem noir dos castelos do deboche. Essa diversidade também está presente nos comentários sobre as repercussões da obra sadiana, que constituem verdadeiro testemunho do seu efeito perturbador. Da exaltação do 'divino marquês', promovida pelos surrealistas, às reflexões que lhe dedicaram Octavio Paz ou Roland Barthes, o que se percebe é a notável e seminal influência da imaginação libertina sobre muitos autores que lhe sucederam. Lidos em conjunto, os textos de Lições de Sade expõem o aprendizado de uma leitora exigente, que vem freqüentando a literatura libertina há duas décadas. Eliane Robert Moraes, dotada de estilo sagaz e elegante, revela uma sintonia fina com os ensinamentos sintetizados na frase de um dos mais lascivos personagens do marquês - 'Toda a felicidade do homem está na imaginação'. O mesmo vale para os leitores destas lições.

Sade - A felicidade Libertina/ Eliane Moraes


Prefácio

Estudando uma obra complexa como a de Sade, o especialista pode ver-se tentado a encontrar seu sentido, sua coerência. Não é o que faz Eliane Robert Moraes nesse livro, e este me parece ser o seu grande mérito. Se ela buscasse pôr ordem numa produção tão vasta e por vezes desencontrada, na qual fica difícil conhecer qual a parte da obra, qual o quinhão da vida, certamente acabaria perdendo o sabor do caos com que Sade acolhe seu leitor: a desordem é, nele, importante. Algo de bastante fundamental na literatura e na arte começa a acontecer em seu tempo, que podemos resumir em duas características. Primeira, a vida, que antes se apagava e desfazia ante a obra, vai-se tornando quase tão relevante quanto esta, em artistas que certamente, como hoje, não passam de uma minoria, mas mesmo assim significativa. Faz parte, portanto, da obra sadiana a sua vida irrequieta, à beira do crime e da reclusão - como fazem parte da biografia de Sade seus livros; mais tarde, também será impossível falar de Gauguin sem a ruptura que ele efetua com o mundo bem-pensante e sua partida para Taiti, ou de Van Gogh sem a orelha cortada e o suicídio, ou de Toulouse-Lautrec sem o aleijão. Tudo isso podem ser anedotas, mas elas assumem uma importância de que não temos paralelo nos autores da era chamada clássica, ou talvez barroca; corrigindo: até o século XVIII a biografia pode em certos casos ser importante para conhecer o autor, mas ela é apenas explicativa (como no caso do jansenismo de Pascal e Racine), ao passo que em autores mais recentes ela adquire uma densidade quase comparável à da obra. Ou, melhor dizendo: ela é inquietante como a obra. E esta é, seguramente, a segunda característica que descortinamos desde Sade. A presença da vida na obra, e por vezes da obra na vida, não é de ordem neutra. Não se limita a esclarecer, a sanar pontos obscuros. Ao contrário, amplia até a desmedida o obscuro, o perturbador. Traz o espectro da loucura ou, pelo menos, o dos limites fraturados da razão. É o caso dos pintores que mencionei, como também o de Nietzsche ou o dos grandes teatrólogos escandinavos de fins do século XIX. Em suma, a vida entra em cena na obra como um elemento quase destruidor, que aparece para trazer a guerra e não a paz, para embaralhar e não para ordenar.

Se estas observações valem para a grande novidade que Sade nos proporciona - talvez o primeiro grande escritor de ficção a instaurar relações assim novas entre seus escritos e seu vivido - , compreende-se que não seja muito adequado lê-lo no intento de dar-lhe sistema. Uma tal tática terá sua utilidade, mas receio que jamais alcance o vigor de uma estratégia; que jamais consiga dar conta do que, nesse autor, é essencial. E por isso considerei muito feliz - enquanto acompanhava, como orientador, ou deveria dizer, como leitor, o belo mestrado em Filosofia que resultou neste livro - ela tomar o partido de recusar a leitura totalizante ou sistemática, para enfrentar a vasta obra sadiana quase como uma guerrilheira, elegendo cinco temas fundamentais - duas atividades e três lugares - e retraçando o que neles é essencial.

O leitor logo verá o percurso de Eliane: principiando pela viagem (a saída de si, percurso horizontal), ela passa por uma construção que é clausura (o castelo), para assim revelar que tudo é rito, é cerimônia construída - que a própria viagem e sua estase, o castelo, são cenário. Daí que o capítulo sobre o teatro se situe a meio caminho, como que dando uma chave para o tema. E a partir daí pode Eliane montar as duas grandes encenações do discurso, os dois lugares em que se teatraliza o logos filosófico: primeiro, o banquete, ocasião em que a boca recebe alimento e exala palavras; segundo, o "boudoir", como o castelo um local, porém íntimo, fechado, e que é o lar da filosofia. Nestes dois lugares discursivos, o principal tema das falas é o prazer, o da mesa, o da cama. De um trajeto no qual recorreu à análise literária, à história das idéias e até à antropologia, Eliane pode assim culminar em alguns grandes temas filosóficos, os da ética (o Mal), da estética (a construção da obra de arte), da política (os despotismos em que se associam paixão e poder) e do conhecimento (qual é o papel do filósofo).

Talvez o que mais convenha salientar aqui, porém, são alguns pressupostos que Eliane utilizou para propor esta leitura, cuidadosa e cativante. Mais que pressupostos, trata-se talvez de opções bem conscientes. Primeiro, uma extrema atenção à imagem, à materialidade do significante. É uma perspectiva que podemos dizer oposta à da transcendência. Um autor como Sade, tão peremptório em seu materialismo, provoca alguns de seus leitores, os de vocação mais espiritual, a procurar descobrir o que está por trás das imagens, como se ele estivesse, em sua blasfêmia mesma, tentando balbuciar uma carência do espírito. Pois a leitura que Eliane efetua é, já por seu modo mesmo, antagônica a essa. O que ela ressalta num banquete, por exemplo, são os alimentos, numerosos, bons, sensuais. O próprio significado que eles tenham se deve buscar, antes de mais nada, neles enquanto significantes. Não se salta a matéria, não se passa impunemente por ela.

Segundo ponto, uma grande atenção ao elemento cênico. Não apenas porque Eliane, num capítulo, que já afirmei nevrálgico, tratará do teatro em Sade: mas porque a própria base de sua leitura está numa idéia de cenários em movimento. Tudo o que ela afirma das imagens em Sade se sustenta em sua teatralização, conceito, por sinal, admiravelmente apropriado às formas sociais do Antigo Regime. Podemos resumir a teatralização em dois elementos. O primeiro é que, se não se chega a proclamar um primado do significante sobre o significado, seguramente se exclui qualquer apagamento daquele em favor de uma suposta soberania deste segundo. Melhor dizendo: a atenção ao teatral exige igual atenção às formas. Para se usar uma distinção velha e imprecisa, mas ainda assim útil, elas são fundamentais para se conhecer o conteúdo.

Já o segundo traço da teatralização reside no movimento que ela imprime às formas. Com efeito, não se trata apenas de formas, mas de cenários ou entrechos: e o fato de estarmos diante de um movimento indica muito bem o caráter produtor, ou produtivo, que é essencial à teatralização. Dizendo de outro modo, a teatralização é tudo menos uma falsidade, e é muito mais que um entretenimento. Trata-se de um procedimento no qual extrema atenção se dá ao engate entre forma e conteúdo, significante e significado, operação e espírito. Ora, é justamente esse ponto de encontro - esse ponto de produção - que permite a Eliane mostrar como um mundo, o sadiano, se produz nestas cinco formas que analisa.

Tomemos então uma destas formas, a que abre o livro: a da viagem. Eliane parte de Sade para pensar a própria história, o tempo mesmo no qual o autor escreve - e não o contrário. Isto ela faz, antes de mais nada, testando em todas as direções o acontecimento viagem. As riquezas do significante se vão, assim, explicitando, e se iluminam umas às outras. Por exemplo: a viagem é mobilidade, definição quase acaciana, quase uma tautologia; mas disto se pode implicar que seja, também, descoberta. Ela se faz, para os franceses do século XVIII, sobretudo no rumo da Itália. E se reveste de especial sentido para Sade, uma vez ele preso. Aqui temos, pois, uma definição (abordagem filosófica), uma recordação dos itinerários (ponto de vista histórico), uma contraposição entre o autor preso e suas personagens itinerantes (viés biográfico). Torna-se possível agora, a Eliane ou a seus leitores, continuar testando essas diferenças e seus confrontos. O viés biográfico é o da compensação: quanto mais preso na realidade está o nosso autor, mais solto se lança no imaginário. O ponto de vista histórico é o do contexto: a obra se ilumina estudando-se seu entorno como um elemento que concorre para explicá-la. Já a abordagem filosófica parte de uma tautologia: viagem é movimento, portanto, na boa tradição do pensamento europeu, como Eliane recorda em alusão aos portugueses da Renascença, a vida consiste em viajar.

O essencial, todavia, está em fazer funcionarem esses - e outros - registros: em exceder, assim, os seus limites. Caso se contentasse com apenas um deles, a obra de Eliane padeceria de suas limitações: ficaria presa, por exemplo, a uma duvidosa relação da vida com a obra segundo o esquema da compensação ficcional das frustrações vividas, ou a uma explicação algo contestável do texto por seu entorno, ou contexto. A multiplicação dos pontos de vista praticada por Eliane deve então ser entendida como um modo de exceder essas limitações - não pelo recurso a uma simples justaposição de procedimentos nos quais um equilibrasse as deficiências do outro, ou a um excesso barroco de quantidades que sonhassem efetuar um salto qualitativo; mas valendo-se de um olhar que, por ser o do prisma, procura dissolver a unidade do objeto, trabalhando-o em suas várias e mesmo antagônicas potencialidades.

Ainda assim, do conjunto extraem-se resultados: não nos perdemos na dispersão. O recurso ao prisma é meio, não fim, deste livro. Por isso, termino salientando duas conclusões que aprecio particularmente no trabalho de Eliane. A primeira consiste no percurso iniciático. Aqui, a autora faz excelente uso da intersecção entre a antropologia e as religiões para, jogando com idéias correlatas aos ritos de passagem e de iniciação, trabalhar em vários níveis a noção de uma mudança. A obra de Sade multiplica pontes, abismos, claustros, ilhas - lugares quer de passagem, quer de encerramento, mas que portam, todos, o sentido de uma transformação em curso, figurada pela translação espacial, e com frequência também o sentido de uma concentração que adensa as experiências novas reveladas no texto. Mas, ao mesmo tempo que na própria obra lemos esses trajetos, sucede também em nós, leitores, alguma sorte de passagem, de iniciação. O texto de Sade, apresentado por Eliane na boa, ainda que recente, tradição de um século que deu ao marquês uma popularidade e simpatia antes desconhecidas, não mais se arrasta na repetição ou monotonia de que tanto foi acusado: torna-se o veículo de uma novidade, de uma revelação leiga.

Aqui, a segunda conclusão. Apostando no materialismo de Sade, Eliane Robert Moraes pode então libertá-lo da imagem assustadora que dele construíram os séculos XVIII e XIX. Não, é certo, para compor um marquês bem-pensante, por exemplo, o apóstolo precoce e incompreendido da liberdade sexual. Negar-lhe a identificação com o Mal não significa reduzi-lo a um casto e quem sabe castrado anjo de presépio. Mas era preciso afastar os preconceitos, sair do plano do bem e do mal, para apreender o vigor sensual de uma obra como a de Sade. Dizendo de outro modo, é a perspectiva resolutamente materialista de Eliane que abre caminho para uma leitura que fará mais justiça ao erotismo sadiano do que as leituras assustadas do passado. Para a ficção do marquês expor toda a sua sensualidade, era pois necessário esposar os ritmos de seu pensamento; sem o materialismo, que é de sua filosofia, não será legível o erotismo, que é de sua fantasia. Um repertório de alguns temas seletos assim se mostra especialmente rico para se ingressar no pensamento e na ficção de Sade. E, para terminar numa nota pessoal, minha impressão de leitor que teve o privilégio de acompanhar a escrita deste livro: raras vezes, acredito, o prazer que se tem em ler deverá tanto ao prazer que teve a autora em escrever.

Sete Praias, março de 1994.

RENATO JANINE RIBEIRO

sábado, 27 de agosto de 2011

Uma breve visão sobre Sade


(Imagem do filme " Contos proibidos do Marquês de Sade ")

" Mais apaixonado que Voltaire, mais direto que Rousseau, Sade foi o inventor de uma "crítica" que usava a blasflêmia, a anarquia e a imundície como meios de libertação."
(Jean Desbordes)

Formas e formas de pensar...


" Não foi a minha maneira de pensar que provocou a minha desgraça. Foi a maneira de pensar dos outros." (SADE)
Isto lhe diz alguma coisa?
Blanchot dirá que o pensamento de Sade mostra que " entre o homem normal que encerra o homem sádico num impasse e o sádico que faz deste impasse uma saída, é este último que conhece mais sobre a verdade e a lógica de sua situação, ao ponto de poder ajudar o homem normal a compreender a si mesmo, ajudando-o a modificar as condições de toda compreensão."

Para REFLETIR!


A curiosidade sobre o que motivou Sade a fazer o que fez ou o que dizem que ele fez é gritante, mas laconicamente deixarei posto algo para ser pensado. SADE É PRODUTO DA REPRESSÃO, e como já dizia Marcuse, " a história do homem é a história de sua repressão."

Para quê ler Sade?


Muitos já me questionaram acerca do próposito das obras de Sade. Vou-lhes responder com uma afirmativa de Georges Bataille:" Para quem quiser ia ao fundo do que significa o homem, a leitura de Sade é não apenas recomendável, mas necessária."

Sade: Um pobre diabo!


(Imagem do filme " Contos proibidos do Marquês de Sade")


Para aqueles que acham que o Marquês foi uma aberração, vale citar um breve comenatário que Otto Maria Carpeaux fez sobre o mesmo: " Em comparação com os ditadores e coronéis do século XX, é o Marquês de SADE um pobre diabo."
Não pretendo tornar a figura do Marquês em um "bom moço", mas antes de fazer qualquer julgamento acerca de algo ou alguém, eu simplesmente procuro entender o contexto no qual o sujeito estava inserido e vê-lo antes de tudo, como um humano.

Primeira parte da entrevista de Elisabeth Roudinesco ao programa Saia Justa no canal GNT!

http://www.youtube.com/watch?v=9D7DqI1U49w&NR=1

Não deixem de ver...
Elisabeth é inteligentissima e nos dá uma ótima visão sobre a perversão.

Entrevista com Elizabeth Roudinesco sobre Literatura!

http://www.youtube.com/watch?v=0Ha8rQK_6P4&feature=player_embedded#!

Acessem o link do vídeo e vejam o que ela diz sobre o seu livro " A parte obscura de nós mesmos."

A parte obscura de nós mesmos - Uma história dos perversos/ Elisabeth Roudinesco





SINOPSE

“Ler Roudinesco é uma tarefa urgente.” Catherine Clément, Le Magazine Littéraire

Príncipe dos perversos, marquês de Sade defendia uma ruptura com as leis que regem a sociedade ao divulgar em seus livros a sodomia, o incesto e o crime. Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz, contou sem reservas como se tornou o maior chacinador de todos os tempos. Liduína de Schiedam, canonizada em 1890, por décadas impôs a seu corpo terríveis sofrimentos. Neste livro, a prestigiada historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco apresenta e interpreta a história dos perversos no Ocidente através de suas figuras emblemáticas: de Barba Azul e os santos místicos na Idade Média, ao fenômeno do nazismo, dos pedófilos e terroristas nos dias de hoje.

Mostra como a perversão, definida em cada época de um modo diverso, exibe o que não cessamos de dissimular: a parte obscura de nós mesmos, a negatividade presente em cada um. E ainda reflete sobre a sua erradicação. Eliminar a perversão não seria destruir a distinção entre bem e mal que fundamenta a civilização?

domingo, 10 de julho de 2011

Sexo e literatura - Henry Miller

Sade, o Marquês do erotismo


A literatura tem o dom de tornar claras as questões mais complexas. Assim é com Sade. Aprendemos com o Marquês que nos subterrâneos do sexo, o prazer paga o pedágio da dor. Sade só escreveu nos períodos em que amargou penas de prisão. Quando estava livre, ocupava-se exercendo o sadismo.
Mas Sade nem sempre foi sádico. Chegou a escrever um livro de novelas chamado Estórias do Amor Negro, que apesar do título seguia o modelo de sucesso na época, na linha do Decameron. São contos eróticos, mas sem a marca sanguinária de Sade. Logo seus distúrbios de comportamento o levariam a tornar-se um inimigo da virtude, e então escreveu 120 DIAS DE SODOMA.
Esse livro permaneceu desaparecido por quase 300 anos. Sade morreu pensando que seu livro perdera-se na Bastilha, onde permaneceu preso por 2 anos. Foi um carcereiro, limpando a cela, que encontrou os minúsculos rolinhos de papel, onde estavam as mais de 300 páginas do livro.
Sade gabava-se de haver chegado ao limite com esse livro. Realmente, 3 séculos passados não se conhece outro texto de tanta contundência em sua descrição sobre os excessos da sexualidade. Sodomia (sexo anal), pedofilia e
macrofilia (sexo com crianças e velhos), e coprofilia (sexo entre fezes) são algumas das variações que Sade retrata.
A pergunta óbvia é: e para que? Bem, depois de Sade os hipócritas não podem ignorar essa faceta do homem, e conseqüentemente não podem fingir que são sádicos inocentes.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

LITERATURA E TRANSGRESSÃO: SADE, MASOCH E BATAILLE

Renata Lopes Pedro[1]

OBS.: QUEM DESEJAR O ARTIGO COMPLETO, SOLICITAR POR EMAIL: clarilenemedeiros@hotmail.com


RESUMO: Este artigo tem o intuito de relacionar Literatura e Transgressão,analisando três
dos escritores considerados “libertinos”: Sade, Masoch e Bataille. Os romances de Sade são
romances eróticos, escritos para saciar sua excitação sexual furiosa e comunicá-la
eventualmente a outro. Sade nos apresenta seus heróis a título de exemplos, mais é preciso
notar que ele os qualifica sempre de celerados, patifes, monstros. As sinistras orgias de
Sade são pesadelos, por isso o imaginável pode ser admirado, por causa de sua intensidade
de expressão, enquanto o realizável correspondente seria reprovado. Entretanto, tendência a
tratar das sevícias sexuais, pretendendo que tanto os pacientes quanto os agentes sentissem
uma satisfação especial nelas, tomou um sentido inteiramente novo com Leopold de
Sacher-Masoch, um homem enigmático que só conseguia realizar o ato sexual com a
condição de ser açoitado e humilhado pela mulher que ele desejava. Bataille é o autor que
apresenta um sentido negro do erótico, de seus perigos de fascinação e humilhação. Em sua
obra, História do Olho, ocorre um violento processo de despersonalização, os traços que
distinguem o rosto apaga-se restando apenas os órgãos entregues à convulsão interna da
carne, operando num corpo que prescinde da mediação do espírito. Nesta obra,o tema da
pornografia não é o sexo, mas sim a morte.
PALAVRAS-CHAVE: Erotismo, Libertinos, Literatura, Sade, Transgressão.

BERNARDO CARVALHO LÊ SADE:TRAIÇÃO E HORROR EM MEDO DE SADE

Rafael Zamperetti Copetti
Doutorando em Teoria da Literatura - UFSC


Resumo: Neste ensaio são discutidos pontos de contato entre a obra do Marquês de Sade e o romance
Medo de Sade, de Bernardo Carvalho, a partir de considerações de autores como Pierre Klossowski e
Georges Bataille.
Palavras-chave: Literatura brasileira; Romance; Bernardo Carvalho.
Abstract: This essay discusses some contact sites between Sade’s work and Bernardo Carvalho’s
novel Medo de Sade from considerations by authors such as Pierre Klossowski and George Bataille.
Keywords: Brazilian’s Literature; Novel; Bernardo Carvalho.
Anuário de Literatura vol. 13, n. 2, 2008, p.
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Georges Bataille, em seu texto “Sade” (BATAILLE, s/d), sugere que o momento em
que se deu a Revolução Francesa poderia ser considerado, em princípio, pobre, se observado
do ponto de vista literário. Haveria, entretanto, segundo sua proposta, uma exceção: a obra do
marquês de Sade, escritor que permaneceu grande parte de sua vida (1740 - 1814)
encarcerado em virtude de sua obra literária e filosofia libertina. Ainda no século XX,
constata, títulos como A filosofia na alcova e Justine ou história de Juliette causavam repulsa.
Bataille evidencia também que Sade e sua obra se encontram interligados com a
Revolução Francesa, pois o sentido desta está, ainda que de forma singular, contido nos
planos do marquês. Tais projetos se relacionariam com o desejo de destruição, tanto de
objetos quanto de pessoas. O fim do pensamento clássico, isto é, da epistémê que possibilitou
a gramática geral e a história natural, diz Foucault, “coincidirá com o recuo da representação,
ou, antes, com a liberação, relativamente à representação, da linguagem, do ser vivo e da
necessidade” (FOUCAULT, 2000, p. 289).
No princípio de Sade meu próximo, Pierre Klossowski (KLOSSOWSKI, 1985)
argumenta que o ato de escrever “supõe uma generalidade à qual um caso singular reivindica
adesão e, por isso, se compreende a si mesmo no domínio dessa generalidade”
(KLOSSOWSKI, 1985, p. 16) e, ainda, que o marquês de Sade entenderia tal ato desta forma
tendo em vista que o “instrumento da generalidade”, em sua época, teria sido “a linguagem
logicamente estruturada da tradição clássica”, cuja estrutura foi restabelecida através da
comunicação a normatividade da “espécie humana nos indivíduos”, a qual, por sua vez,
garantiria “a conservação e a propagação da espécie”.
Daí que, de acordo com Klossowski, a necessidade intrínseca do ser humano de se
reproduzir e de perpetuar a espécie tenha encontrado seu agente persuasivo na linguagem,
através do estabelecimento de uma “reciprocidade de persuasão que propicia a permuta das
singularidades individuais no circuito da generalidade” (KLOSSOWSKI, 1985),
reciprocidade que ocorreria apenas “segundo o princípio de identidade ou princípio de
contradição, que faz cindir a linguagem logicamente estruturada com o princípio geral do
entendimento, ou seja, a razão universal” (KLOSSOWSKI, 1985, p. 16-17).
A partir destas observações é possível perceber a origem da noção sadiana de
monstruosidade integral, conceito que parece estar relacionado ao fato de o marquês de Sade
buscar estabelecer uma contrageneralidade que permita a ocorrência de uma troca entre casos
particulares de perversão, os quais teriam como característica a inexistência de estrutura
lógica, caso a generalidade normativa seja tomada como base de comparação. E, já que Sade
Anuário de Literatura vol. 13, n. 2, 2008, p.
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considerava a contrageneralidade um dos elementos que possibilitam a ocorrência da
perversão, Klossowski sugere que o marquês entenda esta contrageneralidade como sendo um
dos elementos que compõe a generalidade. Isto é: o ateísmo declarado pela razão normativa
estaria destinado a mesclar a generalidade existente e a contrageneralidade (KLOSSOWSKI,
1985, p.17).
Esta opção pelo modo perverso, isto é, por uma forma que não possui um conjunto de
regras e princípios estabelecidos, seria uma maneira de apontar a razão como atéia, já que
esta, a razão, perceberia que a noção de Deus modifica de forma não lógica sua própria
autonomia. E, se o cerceamento da autonomia da razão pela noção de Deus se dá de forma
ilógica, é possível entender que o conceito de Deus é, portanto, também monstruoso e, por
conseguinte, o ponto de partida dos diversos comportamentos perversos e monstruosos.
Entretanto, Klossowski chama a atenção para uma importante crítica formulada por
Sade, ainda que de forma tácita: a crítica da razão normativa, que se daria, segundo o ensaísta,
através do questionamento da maneira pela qual a razão normativa poderia vir a absorver
aspectos que vão contra a manutenção da espécie humana, já que ela própria, a razão
normativa, não “se renova em seu próprio conceito” (KLOSSOWSKI, 1985, p. 18). Ou seja, a
intenção do marquês seria tornar o pensamento independente de “toda a razão normativa
preestabelecida”. Uma possível solução para esta questão passaria pelo ateísmo integral, o
qual efetivamente poderia dar cabo da razão antropomorfa, pois o ateísmo, caso não venha a
ser reconsiderado a partir de aspectos recusados pela razão, reforçaria as instituições baseadas
em princípios antropomorfos. Em suma, o ateísmo integral denotaria a supressão do princípio
de identidade e, conseqüentemente, o banimento físico e moral da “propriedade do eu
responsável”, levando assim à prostituição universal dos seres, a qual, por sua vez, seria um
complemento da monstruosidade integral no sentido de uma ausência de normatividade.
Klossowski ressalta também que a exigência da transgressão se oporia aos efeitos do
ateísmo, pois seria ainda possível que se desse a expropriação do eu corporal e moral “no
sentido utópico do falanstério de Fourrier, baseado no ‘jogo das paixões” (KLOSSOWSKI,
1985, p. 21). Porém, caso esta “comunização” preconizada por Fourrier ocorresse, a tensão
“necessária ao ultraje” se extinguiria levando ao fim o sadismo, a não ser que fossem
propositalmente criadas regras do “jogo” a serem burladas, pois, para que ocorra a
transgressão é necessária a existência de uma ordem, ou, isto é, de regras claras a serem
seguidas.
Ainda a respeito da questão da transgressão, Klossowski sugere que a existência de
normas faria com que se desse um “acúmulo” de energia, o que fatalmente transformaria a
Anuário de Literatura vol. 13, n. 2, 2008, p.
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transgressão em um acontecimento necessário, pois a prostituição universal apenas “tem
sentido em função da propriedade moral do corpo individual” (KLOSSOWSKI, 1985, p. 22).
E, complementa o ensaísta, afirmando a necessidade de existência da noção de propriedade
para que a prostituição não se prive daquilo que constitui seu incentivo, o ultraje.
No que tange à monstruosidade integral, que tacitamente habitaria a generalidade em
vigor, o processo apenas descrito ocorreria de forma semelhante, pois a perversão, que seria a
“insubordinação das funções de viver”, através de seus procedimentos e, sobretudo, de sua
ação principal, a prática da sodomia, obteria importância como ato transgressivo à medida que
existissem normas estabelecidas. E, ainda, se se tomasse como correta a afirmação de que a
perversão é, de certa forma, uma característica oculta do ser humano, como sugere
Klossowski, é plausível que ela possa exercer a função de uma espécie de guia de
transgressão para aqueles ditos “normais”.
Outro ponto do ensaio de Klossowski que merece destaque diz respeito à sua
advertência acerca de possíveis leituras ingênuas da obra de Sade. Para o pensador, se a
monstruosidade integral se tornasse completa, no sentido de que houvesse apenas perversos
confessos, seria possível considerar a “meta” de Sade alcançada. Isto é; o sadismo
desapareceria pelo fato de não existir mais o monstro transgressor. (KLOSSOWSKI, 1985, p.
22).
A partir daí, pode-se extrair, seguindo o raciocínio de Klossowski, que a
monstruosidade, ao contrariar regras, se afirmaria negativamente e, também, que são as
próprias normas e instituições que criam um ambiente propício para que ocorram situações de
perversão.
Uma outra observação de Klossowski, importante para a leitura de Medo de Sade, diz
respeito ao comportamento do perverso, o qual sujeitaria “seu prazer à execução de um gesto
único” (KLOSSOWSKI, 1985, p. 25); ou seja, mesmo em um meio efetivamente desregrado,
o perverso se destacaria por uma “idéia fixa determinada”. Paradoxalmente, aponta o autor,
não haveria coisa menos livre do que o “gesto perverso”, pois este gesto visa à busca por um
detalhe. Dito de outra forma, o perverso se encontraria em uma constante procura pela
realização de um feito exclusivo, o qual, pelo fato de ser único, pode ser realizado apenas uma
vez. Ou, ainda: “a existência do perverso torna-se a perpétua expectativa do instante em que
possa executar esse gesto”, o qual é um fator essencial para que o perverso se signifique, ou
seja, “executá-lo vale para a totalidade de existir” (KLOSSOWSKI, 1985, p. 25).
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A esse respeito ele [o perverso] está aquém dos indivíduos mais grosseiros; mas enquanto
essa insubordinação de uma só função só pode se concretizar e, em conseqüência, conseguir
se individuar em seu próprio caso, ele sugere à reflexão de Sade uma possibilidade múltipla
de redistribuição das funções e, normalmente, neste sentido, para além dos indivíduos
“normalmente” constituídos, abre uma perspectiva mais vasta: a da polimorfia sensível.
Salvo se, nas condições de vida da espécie humana, ele não possa afirmar a não ser
destruindo estas condições em si mesmo: O fato de existir consagra a morte da espécie
humana em seu indivíduo. Ser se confirma como suspensão da própria vida. A perversão
corresponderia assim a uma propriedade de ser alicerçada na expropriação das funções de
viver. A expropriação do próprio corpo e de outrem será, em conseqüência, o sentido dessa
propriedade de ser (KLOSSOWSKI, 1985, p. 25).
Para Sade, o principal tipo de perversão é a sodomia, pois é ela que faz com que se
perceba similitudes entre os demais casos de perversão, o que possiblitaria a formação da
monstruosidade integral. A sodomia seria ainda, no juízo de Sade, “um gesto específico de
contrageneralidade”, pois, ao golpear “a lei de propagação da espécie”, “testemunha [...] a
morte da espécie num indivíduo”. Daí que o marquês entenda a sodomia como sendo o signo
chave da perversão, pois, é o gesto perverso que “contém [o que há] de [mais] mortal para as
normas da espécie” humana (KLOSSOWSKI, 1985, p. 27).
Neste ponto retomo Bataille e destaco sua discussão acerca da relação entre Sade e seu
objeto. O autor entende que Sade foi possuído por seu objeto, pois para o marquês seria
inconcebível a separação entre obra e objeto. Isto é: para Klossowski, o método de Sade
consistiria em apontar e reproduzir seu sonho na origem de seu devaneio. (KLOSSOWSKI
apud BATAILLE, s/d, p. 102-103).
Possivelmente foi o desenvolvimento dessa questão que levou Bataille a concluir que,
ao contrário do cristão e do romântico, que respectivamente tomariam consciência de si
próprios a partir da fé em Deus e da tomada de sua “paixão como um absoluto” (BATAILLE,
s/d, p. 103), o sádico apenas perceba a si mesmo considerando o objeto que agrava seu vigor.
E qual seria o objeto do sádico? Segundo Bataille, um outro ser humano, sobre o qual
deve necessariamente ser impresso um novo modo de ser para que se torne possível dele
lograr a angústia e o desastre esperado. Portanto, o fato de se imprimir em alguém um novo
modo de ser é, necessariamente, um ato planejado, diferença fundamental, ao que parece,
entre o sádico e, talvez assim se possa dizer, “o simples sádico”, que agiria de forma
impensada.
A discussão de Nietzsche acerca do elemento inocente que compõe a maldade é útil
para uma melhor compreensão desta questão:
A maldade não tem por objetivo o sofrimento do outro em si, mas nosso próprio prazer, em
forma de sentimento de vingança ou de uma mais forte excitação nervosa, por exemplo. Já
um simples gracejo demonstra como é prazeroso exercitar nosso poder sobre o outro e
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chegar ao agradável sentimento da superioridade. Então o imoral consiste em ter prazer a
partir do desprezar alheio? É diabólica a satisfação com o mal alheio, como quer
Schopenhauer? Na natureza obtemos prazer quebrando galhos, removendo pedras, lutando
com animais selvagens, para nos tornarmos conscientes de nossa força. Saber que o outro
sofre por nosso intermédio tornaria imoral a mesma coisa pela qual normalmente não nos
sentimos responsáveis? Se não o soubéssemos, contudo, também não teríamos prazer em
nossa própria superioridade, que justamente só se pode dar a conhecer no sofrimento alheio
[...]. Em si mesmo o prazer não é bom nem mau; de onde viria a determinação de que, para
ter prazer consigo, não se deveria suscitar o desprezar alheio? Unicamente do ponto de vista
da utilidade, ou seja, considerando as conseqüências, o desprezar eventual, quando o
prejudicado ou o Estado que o representa leva a esperar punição e vingança: apenas isso,
originalmente, pode ter fornecido o fundamento para negar a si mesmo tais ações
(NIETZSCHE, 2000, p. 78-79).
No primeiro ato de Medo de Sade (CARVALHO, 2000) – o romance de Bernardo
Carvalho é dividido em dois atos –, o barão de LaChafoi encontra-se em um local que
presume ser Charenton, o hospício em que o marquês de Sade esteve internado entre 1803 e
1814, ano de sua morte, e onde costumava encenar peças teatrais com os demais internos. No
interior de uma cela, que supunha completamente escura, já que não era capaz de enxergar
ninguém, o barão dialoga com uma voz, a qual imagina pertencer ao marquês. À esta voz
LaChafoi narra, em uma espécie de prestação de contas à seu ídolo, os acontecimentos que o
levaram até lá – afinal de contas, para o barão libertino aquela voz pertencia a Sade, seu
mestre.
Sucintamente é possível dizer que o barão procura respostas junto a seu suposto
mestre para o que aconteceu de impróprio durante uma “noite de devassidão e excessos”
(CARVALHO, 2000, p.13) no castelo de Lagrange, quando os participantes – sua esposa, seu
primo, o conde de Suz e sua bela criada Martine – ingeriram uma fórmula afrodisíaca à base
de cantáridas trituradas, a qual supostamente foi prescrita pelo próprio marquês; o barão busca
respostas tendo em vista que após despertar desta noite libertina percebeu que um dos
participantes da orgia foi assassinado e, pior, além do fato de ele não conhecer qual dos três
outros participantes foi vitimado, ele próprio, então já encarcerado, estava sendo acusado de
tal crime. Ou seja, ao que parece, talvez esta voz funcione como uma espécie de regra que
regularia a ordem e o desenvolvimento de uma dada comunidade, no caso a dos libertinos e,
por conseguinte, a vida do barão.
Entretanto, é apenas no segundo e último ato do romance de Carvalho, no qual o leitor
é trazido para a contemporaneidade, que se percebe que aquela voz que em um primeiro
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momento regularia uma comunidade de libertinos impõe normas, na verdade, a um outro
corpo social, aquele ao qual pertencem os que são considerados loucos.
É então a partir da narrativa do “negro de branco ao branco de branco” (CARVALHO,
2000, p. 67) que tem início o entrelaçamento dos dois atos do romance. É atravées desta
narrativa, a do “negro de branco”, o qual poderia muito bem ter como profissão a
enfermagem, que se fica sabendo que o interno do segundo ato, um cidadão francês, seguidor
da filosofia libertina do barão de LaChafoi, que encomendou, na cidade do Rio de Janeiro, a
morte de sua esposa, também cidadã francesa, acredita ser o próprio barão.
Em suma, de acordo com o narrador, o essencial seria conhecer o caráter paradoxal do
crime e não quem foi seu autor, já que o o assassinato da mulher fora praticado para que se
tornasse possível a execução de um outro crime, que, em virtude das circunstâncias, não foi e
não poderá ser empreendido.
No entanto, creio ser relevante destacar um fragmento da caracterização do casal
envolvido no crime, fragmento este que traz à tona as regras do jogo em que os dois
personagens se envolveram.
Era um casal curioso. [...] Casaram-se numa capelinha no alto de uma colina, a coisa mais
singela, no sul da França, no vilarejo onde ele tinha nascido e onde no início do século XIX,
ao que parece, um barão organizava bacanais inspirado no marquês de Sade. Um escritor
libertino cuja filosofia máxima era a traição. Seis meses depois de casados descobriram que
ela não podia ter filhos. Perceberam que o amor não resiste ao tempo, o amor acaba, e
fizeram um pacto explícito que, de hábito, nos casamentos em geral, por ficar implícito,
termina por destruí-los. Resolveram que o melhor era estabelecer uma relação baseada na
traição e no horror. O horror no lugar do amor. Um casamento baseado num jogo de
horrores, porque, como ele mesmo vive repetindo em suas crises, o horror não morre, ao
contrário do amor. Só o horror pode manter um casamento, sob o princípio da traição,
segundo a filosofia do tal barão libertino. Cada um dos cônjuges prega uma peça no outro,
alternada e sucessivamente. O que aprenderam a chamar, numa brincadeira reservada entre
os dois, de “medo de Sade”. Uma referência ao célebre marquês, é lógico, que ao que tudo
indica tinha inspirado o barão no início do século XIX em sua filosofia tão peculiar. [...]
Quem tiver mais medo, perde. Esse era o jogo. [...] Só que o negócio durou pouco. Porque
até a traição tem suas regras, e ele trapaceou. Quis adiantar a morte, matar a mulher antes
que ela o matasse. Teve medo. E nesse jogo quem tem medo perde. Para você pode parecer
um paradoxo, e para mim também, mas ao morrer ela ganhou. Ao morrer, ela ganhou porque
deixou ele apavorado (CARVALHO, 2000, p. 68-69).
Conforme foi apontado anteriormente, Sade sugere a instituição de uma
contrageneralidade que possibilite uma troca entre casos específicos de perversão, cuja
particularidade seria a inexistência de estrutura lógica.
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A partir desta constatação é possível tecer algumas considerações a respeito da
legitimidade de uma relação conjugal baseada na traição e no horror, como é o caso daquela
mantida entre os personagens de Carvalho.
Em um primeiro momento, uma relação nestes moldes pode ser encarada como
legítima, caso se concorde com o raciocínio de Nietzsche quando sugere que seria a coerção
operada por um aparelho de estado, por exemplo, que impediria que se dessem
comportamentos fora de uma generalidade já estabelecida.
Por outro lado, se se admite que um comportamento similar seja legítimo, e se,
hipoteticamente, deixasse de existir todo e qualquer tipo de coerção em relação ao fato de que
se obtenha prazer a partir do sofrimento alheio, seria instaurada a princípio uma espécie de
desregramento total, que, por sua vez, impediria que alguém se impusesse, ou, ainda,
obtivesse prazer através do sofrimento alheio e, por conseguinte, que demonstrasse sua
superioridade sobre um outro ser.
No entanto, mesmo em uma situação como aquela reclamada por Sade, em que
haveria a ausência total de normas, seriam reinstituídas regras a serem burladas, pois, ao que
parece, para que haja a transgressão é imprescindível que se estabeleçam regras, mesmo que
estas sejam tácitas e operem sobre comunidades restritas ou ainda um número ínfimo de
pessoas.
A este respeito, é novamente possível tomar como exemplo o casal do romance de
Carvalho, que, ao manterem uma relação baseada na traição e no horror, a qual, para um olhar
externo pareceria completamente ilógica, no sentido de que não estaria baseada em regra
alguma, possuem, na verdade, entre eles, apenas, seus próprios códigos e normas, através dos
quais obtêm prazer a partir do sofrimento e do pavor do outro com o intuito de se manterem
unidos.
É possível que o próprio marquês de Sade tivesse consciência da necessidade de
existência de empecilhos como a linguagem logicamente estruturada das normas e das
instituições para que se desse a monstruosidade integral, entendida aqui como a ausência total
de normas, pois é a partir apenas do conceito de norma instituída que se percebe o que é
monstruoso, ou, em outras palavras, o que é ilógico.
Daí que a lógica do casal do romance de Carvalho pareça ilógica para quem olha de
fora, ainda que para eles, na busca incessante do prazer e da manutenção da relação, exista
uma lógica apenas por eles conhecida.
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Esta busca peculiar e incessante pelo gozo por parte dos personagens, baseada em
códigos próprios, os quais aparentemente desconsiderariam as coerções apontadas por
Nietzsche, parece manter alguma relação com a discussão a respeito do fato de Sade ter sido,
de acordo com Bataille, possuído por seu objeto, pois, ao que parece, a única forma através da
qual os personagens tomam consciência de si próprios é a obtenção do prazer a partir do
horror ao qual seu objeto, no caso um dos cônjuges, é submetido.
Para finalizar, é preciso destacar que a busca incessante da reiteração do horror, que no
entanto seria único, ou ainda, a perseguição de uma “idéia fixa”, como por exemplo a
suposição do marido em relação à frase proferida por sua esposa, obsessão que o levou a
perder o jogo, poderia ser encarada como aquilo que tornaria a existência dos personagens “a
perpétua expectativa do instante em que possa executar esse gesto” (KLOSSOWSKI, 1985, p.
25).
Referências
BATAILLE, Georges. A literatura e o mal. Trad. Sueli Bastos. Porto Alegre: L&PM, s/d.
CARVALHO, Bernardo. Medo de Sade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
KLOSSOWSKI, Pierre. Sade meu próximo. Trad. Armando Ribeiro. São Paulo: Brasiliense,
1985.
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano – Um livro para espíritos livres. Trad.,
notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SÁ, Nelson. Bernardo Carvalho vai ao teatro com Sade. Disponível em
Acesso em: 30/07/03.